Desde que senti vontade de ser mãe que revelei ter uma preferência por um género. Muitas pessoas sentem-se indiferentes a isto. Eu, apesar de saber que não podia escolher, senti que tinha uma preferência e assumi-a. Gostava de ter uma menina.
Se tivesse um menino, isso também não seria um problema. Aliás, na minha primeira gravidez, pela minha ansiedade em saber o género do bebé, fiz um teste inicial e durante umas semanas estava convicta que ia ter um menino. Já o tratava pelo nome, já tinha começado a fazer um enxoval para ele. Quando o médico me disse, na ecografia, que era uma menina, eu tive uma grande surpresa e a sensação de desilusão por já não ter o meu bebé imaginado até então. Felizmente, passou depressa! Eu ia ter a minha desejada menina... Nunca soube explicar este desejo de ter uma menina, mas ele existia e não pensava muito na razão. Por outro lado, cheguei a ouvir desabafos de outras mães, que sentiam muito por terem meninas, pois sentiam que para os meninos as coisas eram mais simples... E eu não percebia o que queriam dizer... Não explorei, é verdade. Apenas aceitei que era o seu ponto de vista. Porém, há uns meses atrás, caiu-me "uma ficha"... Já passava das 21h00 do dia 29 de Dezembro (sexta-feira) e eu passeava com o meu marido e os meus filhos pelo "Jogo da Bola", onde estava montado um palco para as celebrações de Passagem de Ano que se avizinhavam. Havia um fluxo um pouco maior de gente, porque a Ericeira é destino de Passagem de Ano para alguns jovens. Os meus filhos brincavam por ali e eu sentei-me num banco de jardim a observar o que se passava. Do outro lado, sentados noutro banco de jardim, estavam 2 ou 3 homens da terra. Riam e comentavam sobre as miúdas que passavam... Até que passou uma rapariga que conhecia um deles e aproximou-se para o cumprimentar... ele também se afastou um pouco dos outros dois... Enquanto a miúda falava com o ele, os outros dois riam de forma pateta e faziam comentários, baixinho, mas provavelmente não suficientemente baixo que impossibilitasse que outras pessoas ali perto percebessem que estavam a comentar sobre a rapariga... A rapariga mostrou algum incómodo e saiu rapidamente da conversa, despendido-se à pressa. Imediatamente cairam-me lágrimas pela cara abaixo. Lembrei-me de todas as vezes que ouvi desabafos de outras mulheres sobre como seria mais fácil ter meninos. E naquele cenário eu vi o futuro da minha filha... Ali eu percebi que, ao contrário do meu filho, a minha filha não vai conseguir andar na rua à vontade, vestida como ela quiser sem receber comentários e olhares de homens... A minha filha não vai conseguir viajar sozinha, com o mesmo nível de segurança que o meu filho conseguirá... A minha filha não vai ter as mesmas oportunidades de trabalho que o meu filho e provavelmente irá receber menos para executar com a mesma competência as mesmas funções. Quando a minha filha for promovida pelas suas competências profissionais, pelo seu desempenho, provavelmente outras pessoas vão dizer que foi promovida porque se envolveu com o seu superior. Quando a minha filha se insurgir contra alguma coisa que sinta que é injusta, provavelmente vão dizer que é louca, e que não controla as suas emoções, que é desequilibrada, em vez de dizerem que é lutadora, que luta pelos seus ideais. Na realidade, naquele cenário eu vi o que aconteceu comigo todos estes anos, mas que não tive consciência, porque fui educada na normalização destes atos. Chega! Luto e lutarei pela igualdade de oportunidades, por um mundo mais justo para todos e todas. A minha luta começa na educação que dou aos meus filhos e nas mudanças que tenho feito na minha vida, porque comecei a rejeitar a normalização destes atos. Hoje sinto orgulho em ser Mulher, em ter gerado dentro de mim duas Mulheres e em ter colocado nas minhas intenções como Mãe a educação para a igualdade, para a equidade. Celebro 365 dias por ano o facto de ser Mulher, luto 365 dias por ano por esta equidade, no dia 8 de Março apenas assinalo o que ainda há para fazer e espero conseguir despertar outras Mulheres do sono da normalização destes atos! Quem se junta?
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